sexta-feira, 27 de maio de 2016

MÚSICA NA PERSPECTIVA REFORMADA - O CRIVO DA ESCRITURA

Este é o segundo artigo da série MÚSICA NA PERSPECTIVA REFORMADA onde apresento de forma simples e objetiva os critérios observados pelos reformadores em relação a música como expressão artística no seu dia dia e principalmente o seu uso no culto solene. 

O primeiro critério analisado no artigo anterior foi que todas as músicas deveriam passar pelo crivo da glória de Deus. Em outras palavras, a música seja na sua estética, forma e principalmente seu conteúdo devem expressar a beleza, a santidade e a majestade de Deus. Nenhuma outra intenção deve conduzir a mente de quem faz como de quem ouve musica senão o princípio de que tudo deve ser feito para glorificar a Deus. 

O segundo ponto a ser observado no presente artigo é: tudo deve ser feito com base e fundamentação estrita da Escrituras. Ou seja, não se deve falar, escrever, retratar, pintar, esculpir, cantar qualquer coisa sem o devido crivo da Bíblia. Não se deve, por exemplo musicalizar qualquer ideia, frase, ou texto que não esteja ao menos de acordo com a Escritura e todas as suas doutrinas expostas pelo próprio Deus em Sua revelação. Isto independe de ser ou não usado no culto solene.

A primeira coisa que os reformadores tinham em mente era que, em todas as esferas da vida, a consciência do homem deve ser dominada somente pela Palavra de Deus. Não seria diferente com relação a música. Se um musico, cantor, compositor, poeta, ou, qualquer pessoas que se deleitasse apreciando uma canção não a colocasse no crivo da Escritura, a sua música como sua atitude não glorifica a Deus. 

No bom sentido da expressão, os músicos e compositores do período da reforma, abusaram de todos os recursos que a Bíblia poderia lhes oferecer quanto ao seu conteúdo. Realmente prezaram em colocar em prática o que o apóstolo Paulo por duas vezes ordenou primeiro em Colossenses 3: 16 e também em Efésios 5: 19. 

Quase 1450 anos antes dos reformadores, o apóstolo Paulo foi quem deixou prescrito de forma mais explicita o uso correto da música seja no cotidiano, mas em particular, no culto solene. Foi ele mesmo que disse que deveríamos em nossas conversas e canções louvar a Deus com os salmos, hinos e os cânticos espirituais. Este princípio foi muito bem resgatado por nossos pais na reforma através do lema sola scriptura (Somente a Escritura). 

Mais precisamente, os reformadores restauraram para adoração pública o saudável hábito de cantar os salmos já que didaticamente os mesmos foram por inspiração divina escritos não apenas para a sua leitura e meditação diária ou litúrgica, mas o saltério também era o seu hinário oficial no cultos. 

O hábito de cantar os salmos inspirados nunca foi uma novidade para os reformadores. Não é preciso mencionar o fato de que a igreja primitiva, por ter sido influenciada pela tradição sinagogal da religião judaica cantavam os salmos como outros cânticos do Antigo Testamento. Mas, é importante frisar que nem tudo estava perdido no período medieval. A igreja daquela época em seu excessivo e idólatra mas, providencial zelo mantiveram a tradição de cantar os textos sapienciais e poéticos da Escritura. 

Podemos assim dizer que por esta tradição histórica desde a igreja antiga e medieval, foi que Lutero não jogou na lata do lixo toda esta bagagem musical sacra. Obviamente, os cânticos direcionados aos santos e a Maria como intercessora, foram abandonados imediatamente pelos protestantes espalhados por toda Europa ocidental. Lutero como outros compositores, assimilam uma fórmula mais simplificada e popular de entoarem seus hinos. O canto congregacional está de volta como o cumprimento a ordenança bíblica de cantar os salmos, hinos e cânticos espirituais.  

Mas, por que cantar as escrituras? Muito simples a resposta. João Calvino afirmou que a ordenança de se reunir no dia do Senhor não foi com o intuito de entreter pessoas, mas que, Deus deseja que o culto seja útil para todo o seu povo, e que, todos fossem instruídos a usarem a inteligencia em tudo que fosse ordenado para sua edificação.[1] Em outras palavras, os reformadores entendiam que era irrevogável o uso do entendimento, e o exame de consciência por meio da mensagem transmitida através da letra de uma música. 

Em suma, a Escritura deve ser comunicada a nossa consciência por atividades que diretamente lidam com a linguagem escrita (meio pelo qual foi registrado a revelação de Deus ao seu povo). Por isso, os elementos de culto são a oração, a leitura publica da Bíblia, o canto congregacional, ministração dos sacramentos e a pregação. Calvino preferia resumir estes elementos em três grupos básicos: as orações públicas, a pregação da Palavra e os sacramentos. Em relação as orações, se dividiam em dois grupos: Oração proferida e as orações cantadas. 

A música como elemento de culto é o meio pelo qual Deus nos envolve com as verdades de Sua Palavra. O culto racional (Rm 12: 1) deve ser a adoração consciente, inteligível, aquela que nos conduz a razão sobre o que estamos cantando e por que estamos cantando. A razão e a sobriedade devem fazer parte de uma adoração que nos leve a entender e a amar a Palavra de Deus. Sendo assim, para os reformadores, os salmos eram os textos sagrados mais adequado para envolver didaticamente a congregação a estas verdades. 

Não foi atoa  que João Calvino, quando pastoreou por 3 anos a igreja de Estrasburgo se encantou com a coletânea de mais de 30 salmos metrificados que fora elaborado em sua maior parte por Clement Marot. Quando retornou a Genebra para dar continuidade ao processo de reforma, decidiu adotar o mesmo hinário que posteriormente ficou conhecido como 'Saltério de Genebra'. Obviamente, Calvino logrou esta honrosa tarefa a Theodoro de Beza, Clement Marot, Louis Bourgeois e posteriormente Pierre Davantés que completou toda a coleção com mais de 83 salmos em melodias originais.  

Sendo assim, a preocupação dos reformadores não era outra senão que os hinos e cânticos fossem entoados com o intuito de serem orações proferidas diretamente dos textos inspirados (que em sua grande maioria eram os salmos metrificados). O próprio reformador João Calvino é quem mesmo disse que - é preciso haver canções não somente honestas, mas também santas, que como aguilhões nos incite a orar e a louvar a Deus e a meditar nas suas obras para amar, honrar e glori­ficá-Lo.[2]

Infelizmente, é muito comum os nossos pais reformados serem acusados de radicalismo e legalismo quanto ao uso da música no culto solene. Esse não era meramente um zelo excessivo ou legalista destes homens, mas, uma intensa devoção a Cristo e a sua Palavra de modo que desejavam expressar todo o seu amor pela Escritura e pelo seu Autor. Em suma, eles amavam a Palavra do Senhor de maneira que, em todas as atividades realizadas no culto deveriam explicitamente usar a Bíblia. 

Eles entendiam que A Bíblia norteava por meio do Principio Regulador do Culto (a doutrinas que regulam o modo de cultuar a Deus na Bíblia) o modo como a música deveria ser aplicada corretamente na adoração pública. E neste ponto, ao contrário do seu uso no cotidiano, no culto a música está restrita apenas ao canto coletivo e do conteúdo da Palavra de Deus. Em suma, o legado que os reformadores nos deixaram foi: NO CULTO TODOS DEVEM APENAS CANTAR AS ESCRITURAS. 

Em breve próximo artigo da série. 




[1] Prefácio de Calvino da introdução ao Saltério de Genebra – 10 de junho de 1543. 
[2] Idém. 

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